domingo, 22 de março de 2015

Paulo Francis sobre As Relações Perigosas


Em As ligações perigosas, de Choderlos de Laclos, de 1782, na famosa carta 81, Merteuil conta a Valmont como aos quinze anos se casou sem querer e aprendeu a conviver com a rejeição e a gelatinosa moralidade do ser humano. É muito mais subversivo do que o marquês de Sade. Não acredita em nada e é capaz de tudo. Se diz, a Valmont, “vingadora do meu sexo contra o seu”. A beleza sinistra de suas maquinações, descrita na linguagem elegante e eloquente de Laclos, foi o que levou Platão a condenar toda a arte, por sua falta de senso moral no êxtase dionisíaco que nos dá. A natureza humana, que tanto desprezam, acaba com eles. Valmont se apaixona pela sua vítima. Não pode controlar o sentimento. Merteuil fica profundamente ofendida com a traição do seu companheiro. Casal maldito não pode ter sentimentos como os de Valmont. Ela o conduz à destruição, também, e morre bexiguenta, em ostracismo social. Flaubert e Proust seriam inimagináveis sem Laclos, de quem se sabe que explique seu gênio, indecifrável. (OESP, 27/3/94)