domingo, 22 de março de 2015

Fé e Razão

por Mortimer J. Adler

Não é contraditório dizer que afirmo pela fé que a existência de Deus pode ser conhecida pela razão sem recorrer à fé; nem indica de modo algum falta de tal fé em um indivíduo o admitir que ele ainda não sabe pela razão o que sua fé afirma poder conhecer desta forma. A explicação de Santo Tomás do motivo da proposição “Deus existe” ser uma conclusão racional e um item de fé aplica-se perfeitamente ao fato de que a proposição “a existência de Deus pode ser demonstrada” é uma questão de fé, bem como aberta à luz da razão.

[nota] Ver Suma Contra os Gentios, I, 4: Devemos mostrar, diz Santo Tomás, que certas verdades são adequadamente propostas por Deus como um objeto de crença. “Devemos primeiro mostrar isso com relação à verdade que é alcançável por meio de investigação racional, de modo a não parecer a alguns que, uma vez que pode ser alcançada pela razão, é inútil torná-la um objeto de fé por meio do conhecimento sobrenatural. Ora, se essas verdades fossem abandonadas à investigação só da razão, três inconvenientes surgiriam. Um primeiro, porque, se assim acontecesse, poucos homens chegariam ao conhecimento de Deus. Muitos estariam impedidos de descobrir a verdade, que é fruto da assídua investigação.” Aqui Santo Tomás enumera três obstáculos à descoberta da verdade que operam ut in pluribus. “O segundo inconveniente decorre de que aqueles que chegam a descobrir as verdades divinas não o conseguem senão após diuturna investigação […] O terceiro inconveniente consiste em que a falsidade fortemente se introduz na investigação da verdade feita pela razão, devido à debilidade do nosso intelecto para julgar, e à intromissão das ilusões da fantasia. Muitos, com efeito, por não perceberem a força da demonstração, põem em dúvida as verdades demonstradas com firme clareza. Aliás, isso acontece principalmente quando aparecem muitos que se dizem sábios ensinando teses opostas. Ademais, entre as verdades que vão sendo demonstradas, há algumas vezes uma mistura de algo falso que não pode ser demonstrado, mas que é afirmado com argumentação provável ou sofística, tida porém por clara demonstração. Por todos esses motivos foi conveniente que pela via da fé se apresentassem aos homens a firme certeza e a pura verdade das coisas divinas.”

A fé de que a existência de Deus pode ser provada é exigida por aqueles que ainda não conhecem a demonstração e que, crendo na existência de Deus e na sua benevolência para com o homem, podem se perguntar se Deus criou o homem com um dom natural para o conhecimento das coisas divinas. É também exigida por aqueles que, ao pensar que demonstraram uma verdade, no entanto, lembram-se da falibilidade e das armadilhas de qualquer raciocínio meramente humano, e assim recorrem à certeza da fé de que aquilo que tentaram provar pode ser provado, mesmo se os seus esforços mais sofisticados e diligentes, por alguma fraqueza humana, não tenham atingido a perfeição. Mas, acima de tudo, parece-me, precisamos da fé de que uma prova da existência de Deus é alcançável para sustentar todos aqueles que desejam saber o que pode ser conhecido de Deus pela razão natural nesta vida; é necessário, para lhes dar apoio neste que é o mais árduo de todos os esforços intelectuais, ajudá-los a persistir na busca de uma prova, apesar de todos os obstáculos, não obstante as controvérsias do homem e os fracassos do passado, apesar da aparente insolubilidade.