domingo, 22 de março de 2015

Comentários à Física II, de Aristóteles — Lucas Angioni

Aristóteles admite que as matemáticas consideram seu objeto à parte do movimento e da matéria, como se fossem separados. Mas Aristóteles não mais admite que essa separação continue a ser adequada para as ciências naturais. Assim, por menor que seja o aspecto natural sob o qual um objeto é considerado por uma ciência, tal ciência não mais pode proceder unilateralmente conforme à separação efetuada nas matemáticas. A ótica, por exemplo, se interessa por conhecer as propriedades do corpo natural enquanto capaz de refletir a luz: é isso que ela toma como explanandum, e, portanto, é esse seu gênero subjacente, que lhe fornece não apenas definições primeiras, como também os fatos a seres explicados, os quais, uma vez explicados, hão de figurar nas conclusões das demonstrações. No entanto, para explicar as propriedades do corpo natural enquanto capaz de refletir a luz, a ótica usa princípios matemáticos: conclusões provadas pela geometria ou princípios geométricos hão de servir como premissas e princípios para explicar por que o corpo natural, enquanto algo contínuo (submetido à “regras da geometria”), reflete a luz de tal e tal maneira. É isso que Aristóteles quer dizer quando diz que a ótica “estuda a linha matemática, não enquanto linha matemática, mas enquanto linha natural”: a ótica não se interessa em explicar as propriedades que a linha matemática tem em si mesma; a ótica recebe, de uma ciência superior destinada a tratar apropriadamente desse assunto (a geometria), proposições concernentes às linhas matemáticas, as quais, sendo premissas ou conclusões da ciência superior, serão agora aplicadas como premissas para explicar o comportamento das linhas contidas em corpos naturais. De igual modo, a astronomia se interessa por conhecer as propriedades de certos corpos naturais (os corpos celestes) enquanto capazes de se movimentar de certo modo: é isso que ela assume como explanandum. Assim, os corpos celestes enquanto capazes de se movimentar constituem o gênero subjacente da astronomia, o qual lhe fornece não apenas princípios (definições primeiras), mas também os fatos a serem explicados, os quais, uma vez explicados, hão de figurar nas conclusões das demonstrações dessa ciência. No entanto, para explicar as propriedades do corpo celeste enquanto capaz de se movimentar de certo modo, a astronomia se vale de princípios matemáticos e até mesmo de métodos matemáticos (cf. De Caelo, 297ᵃ 2-6). Assim, conclusões provadas pela geometria hão de servir como princípios para explicar por que os corpos celestes, como quantidade contínua capaz de se locomover, se configuram em tais e tais trajetórias. Podemos dizer que também a astronomia “estuda a linha matemática, não enquanto linha matemática, mas enquanto linha natural (celeste)”: a astronomia tampouco se interessa em explicar as propriedades que a linha matemática tem em si mesma; ela igualmente recebe da geometria proposições sobre linhas matemáticas que são usadas como premissas para explicar o comportamento de linhas naturais, isto é, das linhas descritas pelas trajetórias dos movimentos dos corpos celestes.