domingo, 22 de março de 2015

Mário Ferreira dos Santos | Nominalismo e Realismo




Há, ainda hoje, os que afirmam que o nominalismo, de uma vez por todas, derrotou o realismo das idéias. Tais afirmativas enchem de gozo beatífico alguns filósofos, que permanecem satisfeitos e felizes com a notícia de tão grande vitória. Em primeiro lugar, os que pensam assim metem num mesmo saco toda espécie de realismo. Não fazem a distinção entre realismo moderado e realismo dogmático. Se para o realismo exagerado as idéias são entendidas de per si subsistentes, para o realismo moderado não o são. O que apenas se afirma de real aos universais é que têm eles fundamento nas coisas, às quais se referem. Não são entidade de per si subsistentes, mas apenas esquemas noéticos-eidéticos, que construímos, mas que se fundam realmente nas coisas como nós as conhecemos, segundo a realidade que damos a essas coisas. Tal não quer dizer que as coisas sejam, em sua onticidade, apenas o que delas conhecemos. No nosso conhecimento não existe a realidade das coisas tomadas em si mesmas, nosso conhecimento capta-as como um todo; não, porém, totalmente como elas são; ou seja, é um conhecimento totum et non totaliter, como o afirmavam todos os grandes escolásticos e não precisava que Kant nem seus seguidores viessem fazer tamanha tempestade num copo d’água para afirmar o que já se conhecia, mas que também se solucionava, o de que não são capazes de fazer tais confusionistas do pensamento marginal. Atribuem eles à filosofia positiva e concreta, afirmativas que são falsas, e depois, do alto da sua ignorância atrevida, em trabalhos e palestras, fazem afirmações sem fundamento algum. Não é de admirar que não saibam bem do que falam, porque, na verdade, não estudaram tais assuntos. Desconhecem o que se fez nesse terreno; portanto, podem dizer o que dizem. Mas também se estudassem, não garantimos que entendessem bem a matéria…

Quem conhece a história da Filosofia, não aquela que salta de Aristóteles para Descartes, como é comum apresentar-se, mas aquela que inclui o que de imenso se realizou nos quinze séculos que antecedem ao crepúsculo cartesiano, sabem que o nominalismo foi totalmente derrotado através da longa e extraordinária polêmica dos universais. No entanto, os “revenants” do nominalismo, os “chicharros” vindos de além-túmulo, passam agora a apresentarem-no como a última palavra criadora da filosofia moderna. Seria isso para dar gostosas gargalhadas, se não fosse tudo isso eminentemente trágico. Trágico, sim, porque é doloroso ver a juventude que tanto anseia dar um passo à frente, e a quem cabe levar o facho do conhecimento para adiante, servir de matéria para receber informações falsas sobre erros já superados.

É preciso alertar a juventude contra os estragos intelectuais que a ameaçam, pelo abuso da sua boa fé da confiança indevida que devotam a pessoas que não a merecem. Contudo, com alguns comentários simples que serão elementares, sem dúvida, mas bastante esclarecedores, podemos dar uma nítida compreensão do que seja nominalismo, conceptualismo, realismo moderado e realismo exagerado no tocante aos conceitos universais.

Se tomamos o termo verbal Volskwagen, este em sua silabação é apenas um sopro, um flatus vocis. Mas que se pretende dizer com tal flatus vocis? Tende-se, com tal termo, apontar aos automóveis que levam a marca Volkswagen. Nesse caso há uma intencionalidade nesse termo: designar os automóveis Volkswagen. Tal termo tem, pois, uma universalidade de significação. Chamemos a isso estágio A Mas que são esses automóveis Volkswagen? Coisas totalmente heterogêneas? Não; são automóveis que têm em comum inúmeras semelhanças que neles se repetem. São produzidos segundo normas preestabelecidas, repetindo todos os mesmos caracteres técnicos, mecânicos, etc. Qualquer pessoa pode compreender isso. Portanto, o termo Volkswagen capta junto (com-capta) um conjunto de notas que constituem o Volkswagen. Não são, porém, quaisquer notas. Pouco importa que seja verde ou amarelo, etc. Há alguma coisa de imprescindível (de que não se pode prescindir) para dizer que tal automóvel é Volkswagen. Pois tudo isso que intencionalmente nossa mente diz que é imprescindível para que um automóvel seja Volkswagen é o que constitui, em suas linhas gerais, o que foi com-captado, que, do latim cum-capto, dá cum-ceptum, conceito. Então o termo Volkswagen, que aponta aos automóveis, segundo o estágio A é agora uma universalidade de conceituação, ou seja, significa também um universal (conceito). Chamemos a isso estágio B. Mas que fundamento real tem esse conceito? Em que realidade se funda? Funda-se na realidade dos automóveis Volkswagen, que lhes dá o fundamento real, que é o estágio C. Mas a idéia do Volkswagen é uma realidade subsistente por si mesma, independente da mente humana? Se se afirma que sim, temos o estágio D.

Pois bem, o nominalista afirma apenas a realidade do estágio A, o conceptualista afirma, além dessa realidade, a do estágio B, o realista moderado, além dessas realidades, a do estágio C, e o realista exagerado, além de todas, a do estágio D.

Em linhas elementares e até vulgares, eis o que é o nominalismo, o conceptualismo, o realismo moderado e o realismo exagerado.