terça-feira, 12 de janeiro de 2016

"Significará, por acaso, que todos os que estão reunidos nesta sala possuem, a respeito das respectivas condições de vida, conhecimento de nível superior ao que um hindu ou um hotentote poderiam alcançar acerca de suas próprias condições de vida? É pouco provável. Aquele, dentre nós, que entra num trem não tem noção alguma do mecanismo que permite ao veículo pôr-se em marcha — exceto se for um físico de profissão. Aliás, não temos necessidade de conhecer aquele mecanismo. Basta-nos poder 'contar' com o trem e orientar, conseqüentemente, nosso comportamento; mas não sabemos como se constrói aquela máquina que tem condições de deslizar. O selvagem, ao contrário, conhece, de maneira incomparavelmente melhor, os instrumentos de que se utiliza. Eu seria capaz de garantir que todos ou quase todos os meus colegas economistas, acaso presentes nesta sala, dariam respostas diferentes à pergunta: como explicar que, utilizando a mesma soma de dinheiro, ora se possa adquirir grande soma de coisas e ora uma quantidade mínima? O selvagem, contudo, sabe perfeitamente como agir para obter o alimento quotidiano e conhece os meios capazes de favorecê-lo em seu propósito. A intelectualização e a racionalização crescentes não equivalem, portanto, a um conhecimento geral crescente acerca das condições em que vivemos. Significam, antes, que sabemos ou acreditamos que, a qualquer instante, poderíamos, bastando que o quiséssemos, provar que não existe, em princípio, nenhum poder misterioso e imprevisível que interfira com o curso de nossa vida; em uma palavra, que podemos dominar tudo, por meio da previsão. Equivale isso a despojar de magia o mundo. Para nós não mais se trata, como para o selvagem que acredita na existência daqueles poderes, de apelar a meios mágicos para dominar os espíritos ou exorcizá-los, mas de recorrer à técnica e à previsão. Tal é a significação essencial da intelectualização."


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Max Weber - A Ciência como Vocação