sábado, 14 de dezembro de 2019




«Para o homem religioso, a Natureza nunca é exclusivamente “natural”: está sempre carregada de um valor religioso. Isto é facilmente compreensível, pois o Cosmos é uma criação divina: saindo das mãos dos deuses, o Mundo fica impregnado de sacralidade. Não se trata somente de uma sacralidade comunicada pelos deuses, como é o caso, por exemplo, de um lugar ou um objeto consagrado por uma presença divina. Os deuses fizeram mais: manifestaram as diferentes modalidades do sagrado na própria estrutura do Mundo e dos fenômenos cósmicos.
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O mundo apresenta-se de tal maneira que, ao contemplá-lo, o homem religioso descobre os múltiplos modos do sagrado e, por conseguinte, do Ser. [...] Esta obra divina guarda sempre uma transparência, quer dizer, desvenda espontaneamente os múltiplos aspectos do sagrado. O Céu revela diretamente, “naturalmente”, a distância infinita, a transcendência do deus. A Terra também é “transparente”: mostra-se como mãe e nutridora universal. Os ritmos cósmicos manifestam a ordem, a harmonia, a permanência, a fecundidade. No conjunto, o Cosmos é ao mesmo tempo um organismo real, vivo e sagrado: revela as modalidades do Ser e da sacralidade. Ontofania e hierofania se unem.
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É preciso não esquecer que, para o homem religioso, o “sobrenatural” está indissoluvelmente ligado ao “natural”; que a Natureza sempre exprime algo que a transcende. Como já dissemos, uma pedra sagrada é venerada porque é sagrada e não porque é pedra; é a sacralidade manifestada pelo modo de ser da pedra que revela sua verdadeira essência. É por esta razão que não se pode falar de “naturismo” ou de “religião natural”, no sentido atribuído a estas palavras no século XIX; pois é a “sobrenatura” que se deixa manifestar ao homem religioso por meio dos aspectos “naturais” do Mundo.»

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Mircea Eliade, "O Sagrado e o Profano".