quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Sobre os 4 elementos e os 4 temperamentos | Luiz Gonzaga de Carvalho Neto e Pedro Sette Câmara



Observando as notas dos corpos

Como os quatro elementos são derivados da noção de corpo, cabe-nos primeiramente definir “corpo”. Vamos considerar um objeto corpóreo e retirar dele algumas notas até sermos capazes de reconhecer suas notas essenciais e chegar à definição.

Observemos, então, a folha de papel em que está impressa este texto. Faça um conjunto de observações a respeito dela, mesmo que você não as escreva. Em vez de raciocinar, tente simplesmente prestar atenção. O que você está observando nesta folha de papel?

Podemos dizer: ela é branca, com letras impressas. Ela é feita de alguma coisa – papel, no caso. Ela é retangular. Ela é suave ao toque.

Agora vamos separar os dados essenciais dos acidentais, comparando a folha de papel com todos os corpos. Todos os corpos precisam ser brancos? Não. Precisam ter letras impressas? Também não. Todos os corpos têm cor? Não, porque no escuro eles não deixam de ser corpos. Estes são portanto acidentes.

Continuemos. Todos os corpos são feitos de alguma coisa? Sim, mas não necessariamente de papel. Aqui já começamos a acertar o alvo. Todos os corpos têm alguma substância. E agora: todos os corpos são retangulares? Não – mas todos os corpos têm alguma espécie de figura. Em vez de figura, podemos dizer: extensão limitada. Dá na mesma, mas aqui explicitamos a idéia de que todos os corpos têm alguma extensão, e que esta extensão não é ilimitada.

Por fim, todos os corpos são suaves ao toque? Não: tente pegar num ouriço para ver.

A definição de corpo

Podemos então definir corpo como substância de extensão limitada, o que equivale a dizer: substância com figura. Observamos que tudo o que existe corporeamente tem extensão, e a extensão precisa ser limitada em função da impenetrabilidade da matéria; se existisse um corpo de extensão ilimitada (nas três dimensões), não seria possível que nenhum outro corpo existisse, limitado ou ilimitado. Mesmo que supuséssemos a existência de um corpo ilimitado em uma ou duas de suas três dimensões, nunca observamos a existência de um corpo assim, nem jamais foi provada a necessidade de que ele exista.

Observamos ainda que todos os corpos podem sofrer mutações, mas que a própria permanência dos corpos no tempo pressupõe a existência de um substrato que não muda. Isto é, se alteramos o local, a quantidade ou a qualidade de um corpo, é preciso que um substrato tenha permanecido o mesmo, a fim de receber todas estas alterações. Se o substrato mudasse totalmente, seria outra coisa. Aqui voltamos ao ponto em que a matéria, ou substrato, pode ser vista como uma definição formal. O algodão é a matéria da camisa. Algum vegetal é a matéria do algodão, e assim sucessivamente até chegarmos ao ponto da matéria inqualificada. Para efeitos da presente análise, vamos nos concentrar na manifestação corpórea.

A partir desta definição, podemos examinar as quatro qualidades sensíveis, que são na verdade dois pares de qualidades complementares: umidade x secura e calor x frieza. Decorrem da definição de corpo e podem portanto ser observadas em qualquer corpo, em graus diferentes, sem que exista um absoluto: nenhum corpo é tão úmido que não tenha nenhuma secura, e vice-versa, o mesmo valendo para as demais qualidades. Umidade e secura estão relacionadas à capacidade do corpo de dar-se um limite próprio; e calor e frieza à divisibilidade de sua figura.

1. O limite da extensão

O limite da extensão é uma característica dos corpos que admite duas distinções, porque existem duas espécies diferentes de limite. Alguns corpos têm o limite determinado por si mesmos; outros têm o limite determinado por um agente externo. Um copo tem em si mesmo o limite da sua extensão, sua figura; a água que está no copo assume a figura do copo. Se fosse colocada numa piscina, teria a forma da piscina; se fosse colocada nas mãos em concha, teria a figura de mãos em concha.

1.1. Umidade
É a impossibilidade de um corpo de dar limite próprio à sua figura, que passa a ser determinada por outro. O ar de uma sala, por exemplo, só é determinado pela figura da sala: paredes e teto. Trata-se de uma mudança de espécie para o limite da extensão do corpo, mas não para o próprio corpo.

1.2. Secura
É a capacidade de um corpo de dar limite próprio à sua figura. A sala onde está o ar mantém a sua figura por si mesma, ao contrário do ar: ela é seca.

2. Divisibilidade da extensão

A própria noção de extensão supõe a noção de divisibilidade. Porém, alguns corpos são naturalmente inclinados a manter-se individidos enquanto outros tendem a dividir-se.

2.1. Calor
É a qualidade pela qual um corpo tende a separar suas partes, ou dividir sua figura. Basta ver que tudo que recebe calor se desfaz de algum modo: a água evapora, a comida cozinha, o papel queima e se faz em mil pedaços.

2.2. Frieza
É a qualidade pela qual um corpo tende a manter as próprias partes juntas, ou não dividir sua figura. Se ao receber calor as coisas se desfazem, enquanto estão frias tendem a permanecer as mesmas: não é à toa que o congelamento é uma maneira de preservação, tanto para a comida no congelador como para os cadáveres de animais antigos que podem ser encontrados em geleiras.

Um exemplo

Vamos descrever um corpo qualquer segundo as quatro qualidades, para que elas fiquem mais claras. Podemos tomar uma camisa. A camisa, a menos que esteja velha e acabada, mantém-se inteira – suas partes continuam se atraindo, demonstrando frieza. Como a camisa também não assume definitivamente a figura de uma tartaruga nem de uma calça, mas continua com figura de camisa, demonstra secura. Mas a camisa se deforma um pouco: podemos dobrá-la, por exemplo; e também, quando a vestimos, especialmente se estivermos com aqueles quilinhos a mais, ela pode ficar um pouco esticada: eis aí o componente de umidade. A qualidade calor pode ser um pouco difícil de perceber, mas basta dar-se conta de que tudo neste mundo tende a se desfazer, e um dia até a melhor das camisas estará esburacada, ou seja, suas partes terão se repelido.

Como vemos aqui, pode ser que um objeto tenha uma qualidade em grau muito pequeno. Onde está, por exemplo, a umidade do diamante? Está na sua possibilidade de ser moldado por uma broca também feita de diamante.

Os quatro elementos

Cada um dos elementos é composto da união de duas qualidades sensíveis, sendo uma predominante. São chamados ar, água, fogo e terra porque aqueles corpos que na linguagem comum recebem os mesmos nomes representam de maneira exemplar a união destas qualidades. Todos os corpos, porém – inclusive o corpo ar, o corpo água, o corpo fogo e o corpo terra – são compostos dos quatro elementos.

Ar
É a reunião de umidade e calor. O corpo ar, exemplo natural, não tem um limite próprio, assumindo totalmente a figura de seu continente. Se está numa sala, tem a figura da sala; se está no pulmão, tem a figura do pulmão. É por isso o mais úmido dos elementos e a umidade é sua qualidade predominante. Quanto ao calor, vemos que o corpo ar deixa suas partes com muita facilidade: só é possível conter o ar através de força, e com o uso de instrumentos específicos para este fim – compressores.

Água
É a reunião de umidade e frieza. O corpo água, exemplo natural, praticamente não tem um limite próprio – só a sua superfície. A água tem sua figura determinada pelo recipiente que a contém, mas a sua superfície torna-se espontaneamente plana; por isso, o ar é mais úmido do que a água. A água também tende a permanecer com as partes unidas; vemos que, se colocarmos duas gotas de água lado a lado, uma será atraída pela outra e logo teremos uma só gota. A água também desce toda para um lugar só; sua qualidade predominante é a frieza.


Fogo
É a reunião de secura e calor. Vemos que o corpo fogo mantém-se inteiro na figura da labareda – por isso é seco. O fogo se extingue: suas partes se separaram, e as partes daquilo que entrou em contato com o fogo, adquirindo calor, também se separaram. Sua qualidade predominante é o calor.

Terra
É a reunião de secura e frieza. Assim como o ar, é um elemento que não sugere tensão (aliás, ar e terra se parecem com o par movimento e repouso, isto é, o movimento espontâneo e livre, e o repouso espontâneo e livre), como se vê no próprio corpo terra: nunca muda de figura, nem tem as partes separadas, até que outro venha e a altere. Sua qualidade predominante é a secura.

Os quatro temperamentos

Dos quatro elementos a medicina antiga derivou quatro humores básicos, e deles quatro temperamentos. Vamos considerar rapidamente cada um deles, pois conhecimento do temperamento é fundamental para a astrologia natal; para tanto, levemos em conta a divisão proposta por John Frawley nos quatro tipos representativos dos temperamentos, os guerreiros, os escribas, os fazendeiros e os escravos.

Colérico – Fogo
O colérico é o tipo do guerreiro. É o sujeito que tem muita energia para gastar. O fogo é quente. Por isso também o guerreiro destrói, e não constrói. Ele afasta as partes. O fogo é seco, isto é, o ideal é que o guerreiro mantenha a sua figura, senão ele morre e não vai mais guerrear. Além disto, o guerreiro normalmente defende algum ideal, o qual dá a medida da sua integridade em outro sentido.

Sangüíneo – Ar
O ar é quente, repele as partes; e úmido, não determina a sua figura. Este temperamento é portanto o mais adaptável em si. É possível dizer que, ao menos na literatura vulgar de Recursos Humanos, hoje em dia as corporações esperam de seus empregados que sejam mais sangüíneos. O colérico quer briga, ele se distingue pelo ardor. O melancólico quer continuar o mesmo; para mudar ele precisa incorporar a mudança a si. Já o sangüíneo se adapta às circunstâncias, mas para contorná-las, em vez de atacá-las frontalmente. Seu tipo é o do escriba bem no sentido das profissões contemporâneas associadas a escrever, como o jornalismo. O elemento ar também está associado a tudo o que é mental.

Melancólico – Terra
A terra é fria, ela mantém as suas partes reunidas, e também é seca, não muda de figura. Daí podemos ver que o sujeito melancólico é o que só faz o que quer, na hora que quer, e que pode até não ter muita vontade de fazer nada. A melancolia romântica, porém, é um excesso, uma patologia da melancolia. Se o colérico só faz o que quer, ele se move com mais facilidade à alguma ação do que o melancólico. Os melancólicos não se alteram muito. Daí que seu tipo seja o do fazendeiro: diante da terra, que tem seus ritmos próprios, não há muito o que fazer – ou ao menos não havia quando estes simbolismos foram elaborados, antes da engenharia genética etc. Assim, o fazendeiro é também o mais “conservador” de todos os tipos – o que não deve ser entendido no sentido político, é claro.

Fleumático – Água
A água é fria, atrai as partes, e úmida, não determina a sua figura. Por isso que o temperamento fleumático é o emocional, as emoções são aquáticas. Sentir uma emoção é estar sempre em si mesmo e ao mesmo tempo não determinar bem os limites deste si mesmo, porque você é afetado por algo que em princípio não é você, mas quando você é afetado aquilo passa a ser você de algum modo. John Frawley é um fleumático, e associa este tipo aos escravos porque estes viveriam em função de seu próprio corpo, dominados por instintos que teriam que ser controlados desde fora, isto é, pelos senhores.



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Luiz Gonzaga de Carvalho Neto e Pedro Sette Câmara - Introdução ao Simbolismo Astrológico