quinta-feira, 14 de abril de 2016

Edward Feser | Conjurando a Teleologia

Na Philosopher's Magazine online, Massimo Pigliucci discute teleologia e teleonomia. Sua posição tem a virtude de ser simples e clara. Infelizmente, também tem os vícios de ser simplista e errada. Suas observações podem ser resumidas bem brevemente. Explicar o que há de errado com elas toma um pouco mais de tempo.

Teleologia, como Pigliucci diz, é propósito real, enquanto teleonomia é a mera aparência de propósito. A primeira, ele diz, sempre envolve a ação divina ou humana. As ciências podem, na visão de Pigliucci, ser distinguidas por suas relações com a teleologia e a teleonomia. "Física, química, astronomia e geologia", ele diz, "não são nem teleonômicas nem teleológicas".  No outro extremo, com a psicologia, a sociologia e a economia, é "obrigatório" que entendamos os fenômenos estudados em termos teleológicos. No meio fica a biologia, que ele diz que não é teleológica, mas teleonômica. Por que a teleonomia é "indispensável" à biologia? Porque, diz Pigliucci, "a seleção natural... realmente imita objetivos e propósitos" enquanto os fenômenos estudados pela física, química, etc., não imitam. E o que conta como diferença entre meros fenômenos teleonômicos e os verdadeiramente teleológicos? Na visão de Pigliucci, é a consciência, a ciência que "ainda espera por seu Darwin."

Pigliucci é um sujeito esperto e interessante, mas como vimos antes (aqui e aqui), como muitos outros filósofos contemporâneos ele parece frequentemente incapaz ou relutante em pensar fora da caixa do que todo mundo "sabe". Nesse caso, como a maior parte das pessoas que comentam sobre o assunto atualmente (sejam naturalistas, teóricos do Design Inteligente, ou quem quer que seja), ele negligencia várias distinções cruciais onde a teleologia está em causa — distinções que eu esmiucei no meu artigo "Teleology: A Shopper's Guide" (com novas e mais recentes discussões relevantes nas págs. 88-105 do Scholastic Metaphysics). Embora essas sejam distinções conhecidas naturalmente por nós, Tomistas, elas também são (como eu discuto nos escritos referidos e discuti em muitos outros lugares também) distinções algumas das quais você vai encontrar recapituladas por alguns não-Tomistas contemporâneos e até filósofos naturalistas.

Eu não vou repetir aqui tudo o que eu disse nesses escritos anteriores. Basta notar que existem pelo menos cinco abordagens que poderiam ser tomadas na questão de se a teleologia é (ou não é) real, e pelos menos cinco níveis na natureza na qual se poderia (ou não) identificar um tipo distinto de teleologia.

Como eu apontei antes, o primeiro conjunto de distinções corresponde grosseiramente aos cinco tipos de posição que alguém poderia tomar no problema dos universais: nominalismo, conceptualismo, e os três tipos de realismo (Platônico, Aristotélico, e Escolástico). O eliminativismo teleológico (grosseiramente paralelo ao nominalismo) sustenta que não há nenhuma teleologia no mundo natural. O reducionismo teleológico sustenta que há teleologia no mundo natural, mas que ela é inteiramente redutível a fenômenos não-teleológicos. O realismo teleológico platônico sustenta que a teleologia é real e irredutível, mas que ela não existe em fenômenos naturais, não-mentais, de nenhuma maneira intrínseca. Ao contrário, ela existe somente em relação a alguma mente (digamos, humana ou divina) que confere teleologia a fenômenos diferentes e sem propósito. O realismo teleológico aristotélico sustenta que a teleologia é real e irredutível e que ela existe em fenômenos naturais, não-mentais, de uma maneira intrínseca, sem precisar ser derivada de qualquer mente. O realismo teleológico escolástico é algo como uma meio-termo entre o realismo teleológico Platônico e Aristotélico. Sustenta que a teleologia é real e irredutível, e que ela tem um fundamento próximo na natureza intrínseca das coisas (como sustenta a visão Aristotélica), mas que ela também tem sua fonte última no intelecto divino (como sustenta a visão Platônica). O realismo teleológico platônico é a visão refletida em argumentos como os do Design de Paley e a teoria do Design Inteligente. O realismo teleológico escolástico é a visão que se encontra na Quinta Via de Aquino. (Veja meu artigo "Between Aristotle and William Paley: Aquinas's Fifth Way." Tanto este artigo quanto "Teleology: A Shopper's Guide" estão reimpressos em "Neo-Scholastic Essays". A distinção entre o realismo teleológico Platônico e o Aristotélico foi enfatizada na filosofia analítica recente por escritores como Christopher Shields e Andre Ariew.)

O segundo conjunto de distinções entre níveis na natureza nos quais a teleologia pode ou não existir, é o seguinte. Primeiro, a teleologia deve existir (de fato, como todos concordam, exceto materialistas eliminativistas, ela existe) no nível do pensamento e ação humana, onde os fins em direção aos quais o pensamento e a ação são direcionados são alcançados conceitualmente. Segundo, a teleologia existe em animais não-humanos de uma maneira que não envolve conceptualização, mas é ainda consciente. Terceiro, a teleologia existe em formas de vida meramente vegetais (no sentido técnico, Aristotélico, de "vegetativo") de uma maneira que é completamente inconsciente, mas ainda envolve processos que são direcionados ao florescimento do organismo completo. (Escolásticos chamam isso de "causação imanente", em oposição à "causação transeunte" na qual coisas não-vivas estão confinadas.) Quarto, pode-se afirmar que a teleologia existe em fenômenos inorgânicos de uma maneira que não envolve o florescimento de uma substância completa (como nas coisas vivas) mas ainda envolve processos causais complexos. David Oderberg  propõe o ciclo das rochas e o ciclo da água como exemplos. Quinto, a teleologia pode existir no nível mais simples na forma de um mero "direcionamento" de uma causa eficiente ao seu efeito característico ou gama de efeitos. O filósofo contemporâneo Paul Hoffman chamou este último tipo de "a noção central" da teleologia, e é essencialmente o que metafísicos contemporâneos como John Heil, George Molnar, e U.T. Place têm em mente quando eles atribuem "intencionalidade física" ou "intencionalidade natural" a poderes causais.

Agora, o primeiro erro que Pigliucci comete é supor como questão de fato que a teleologia, se é real, deve "ou ser o resultado de uma causa sobrenatural ('deus') ou, mais obviamente, da atividade humana". Isso assume essencialmente que as únicas opções são ou o eliminativismo teleológico ou o realismo teleológico Platônico. No entanto, certamente Pigliucci está familiarizado com versões do reducionismo teleológico (por exemplo, tentativas na filosofia da biologia de analisar a noção de função biológica em termos "naturalistas"), o que torna estranho que ele nem mesmo mencione elas de passagem. Talvez ele suponha (certamente, na minha visão) que tal reducionismo inevitalmente colapsa em alguma outra visão sobre teleologia. Mas Pigliucci parece completamente ignorante de que há tal coisa como a posição teleológica realista de Aristóteles — o que também é meio estranho, uma vez que o "Mind and Cosmos" de Thomas Nagel trouxe alguma atenção para isso recentemente (nem é Nagel o único naturalista a tomar tal visão). Naturalmente, alguém ignorante da posição teleológica realista de Aristóteles não estaria também familiarizado com a posição teleológica realista Escolástica (que só pode realmente ser entendida em constraste com as posições Aristotélica e Platônica). Talvez Pigliucci diria que todas essas visões acabem batendo com a posição Platônica. Mas justificar tal afirmação requereria argumento. Pigliucci não somente não dá nenhum argumento, ele não demonstra ter consciência de que há ainda uma disputa aqui.

O segundo erro de Pigliucci está em assimilar toda teleologia ao tipo exibido (ou aparentemente exibido) ou na ação humana ou em fenômenos biológicos. Essa é uma assimilação bem comum, mas está errada, e manifesta a tendência de Pigliucci (a qual vimos antes) de tomar o conhecimento convencional metafísico por garantido. De novo, teleologia de um tipo que é muito mais rudimentar do que o tipo que se encontra nos fenômenos biológicos e especificamente humanos pode sem dúvida ser encontrada em fenômenos cíclicos inorgânicos (como nos exemplos de Oderberg) ou em relações causais básicas (como nos fenômenos que escritores como Hoffman, Heil, Molnar, Place, e outros têm em mente). E nesse caso, mesmo que se negue que a "física, química, astronomia e geologia" estão preocupadas com fenômenos teleológicos verdadeiros, eles ainda seriam fenômenos teleonômicos — o que mina o modo proposto por Pigliucci de classificação das ciências, e também mina sua alegação de que é a seleção natural que conta para a teleonomia (uma vez que a seleção natural não existe no nível dos fenômenos inorgânicos em questão).

Pigliucci diz: "Não faz sentido perguntar qual é o propósito ou objetivo de um elétron, uma molécula, um planeta ou uma montanha". Mas a observação é ou direcionada a um espantalho ou raciocina em círculo. Se por "o propósito do elétron etc." Pigliucci tem em mente algo como os tipos de propósito que um coração ou um globo ocular tem (que somente podem ser entendidos por referência ao florescimento do organismo do qual esses órgãos são partes), ou o tipo que um artefato tem (que somente pode ser entendido por referência aos propósitos humanos para os quais o artefato foi feito), então ele está, é claro, correto de que elétrons, moléculas, planetas e montanhas carecem de tais propósitos. Mas nem toda teleologia precisa, em primeiro lugar, envolver os tipos de propósito que nós vemos em órgãos corporais e artefatos, e aqueles que atribuem teleologia a fenômenos inorgânicos não estão atribuindo a esses fenômenos esses tipos específicos de teleologia. O que eles têm em mente, em vez disso, é o mero direcionamento a um fim.

Agora, qualquer coisa com poderes causais irredutíveis sem dúvida tem esse tipo de mero direcionamento — o que Hoffman chama de "a noção central" da teleologia — na medida em que tem um tipo típico de efeito ou gama de efeitos. Teóricos contemporâneos de poderes "neo-essencialistas" dispostos a apoiar algo como "intencionalidade física" atribuiriam esse tipo de teleologia a partículas físicas. Planetas e montanhas (para citar outros exemplos de Pigliucci) são mais complicados, uma vez que pode ser argumentado que seus poderes causais são redutíveis aos de suas partes. Se é assim, então eles teriam o que os Escolásticos chamariam de meras "formas acidentais" ao invés de "formas substanciais", e assim não seriam verdadeiras substâncias, e assim não seriam candidatos aos tipos de coisas que têm teleologia irredutível em primeiro lugar. Eu não pretendo entrar em todos esses assuntos aqui. Basta dizer que Pigliucci não está só ignorando as distinções entre os tipos de teleologia, mas também dando exemplos de tipos bem diferentes que requereriam tratamento cuidadoso caso por caso na aplicação de noções metafísicas relevantes. (Veja Scholastic Metaphysics para a exposição e defesa de todas as noções relevantes.)

É também surpreendente que um filósofo da ciência como Pigliucci deve negligenciar um famoso exemplo de suposta teleologia em física, isto é, princípios de mínima ação. (Veja o periódico de Hawthorne e Nolan "What Would Teleological Causation Be?" para uma breve e recente discussão por filósofos.) É claro, se tais princípios devem realmente ser considerados como teleológicos é uma questão de controvérsia, mas isso é irrelevante para o ponto presente. O que é relevante é, primeiro, que se eles são teleológicos, eles não teriam o tipo de teleologia que órgãos corporais e artefatos têm. Logo, eles seriam bons exemplos do tipo mais rudimentar, sub-orgânico de suposta teleologia que Pigliucci negligencia completamente. Segundo, o próprio fato de que princípios de mínima ação pelo menos parecem teleológicos a muitas pessoas, é uma outra boa ilustração de como mesmo a física é sem dúvidas teleonômica mesmo se fosse concedido a Pigliucci que não é teleológica. Mais uma vez, isso minaria a tentativa de Pigliucci de explicar a teleonomia em termos de seleção natural.

Um outro problema com as observações de Pigliucci é que ele supõe que uma referência à seleção natural é suficiente para mostrar que a teleologia foi banida da biologia. Mas esse não é o caso. Como vários pensadores sem teorias de Design Inteligente ou outro "ressentimento" teológico apontaram (por ex.: Marjorie Grene, Andre Ariew, J. Scott Turner), a seleção natural por si mesma somente lança dúvidas sobre a teleologia onde questões de adaptação estão envolvidas. Se algum tipo de teleologia é necessária para dar sentido a processos de desenvolvimento num organismo é outra questão. (Tenha em mente que se tal teleologia requer referência a algum tipo de designer é, contrário ao que Pigliucci parece supor, ainda uma outra questão — e algo que demandaria a resolução da disputa entre o realismo teleológico Platônico, Aristotélico, Escolástico, e o reducionismo teleológico.)

Finalmente, Pigliucci negligencia alguns problemas óbvios com suas observações sobre a consciência. Como ele mesmo admite, aparentemente, fenômenos que envolvem consciência são irredutivelmente teleológicos e não meramente teleonômicos. Até aí tudo bem; eu penso que isso é certamente verdadeiro. Mas nesse caso é bem tolo pretender (como Pigliucci pretende) que explicar a consciência requer meramente que a ciência cognitiva encontre seu próprio Darwin. A maneira que Darwin explica a adaptação é precisamente argumentando que ela não é realmente teleológica de forma alguma, mas meramente teleonômica. Naturalmente, então, se a consciência é irredutivelmente teleológica, ela não vai nem mesmo em princípio ser suscetível a esse tipo de reducionismo ou explicação eliminativista.

É claro, Pigliucci pode responder que ele não quis insinuar que a consciência poderia ser explicada exatamente do tipo de forma empregada por Darwin, mas que ela só requereria um cientista da estatura de Darwin para explicá-la. Justo, mas mesmo nesta interpretação sua observação é ainda é frívola. Darwin, e os outros grandes nomes da ciência moderna, são considerados grandes muito porque eles são pensados como aqueles que encontraram maneiras de eliminar a teleologia dos fenômenos que eles trataram. Em particular, eles trataram a teleologia como mera projeção da mente, em vez de um real aspecto da natureza. Obviamente, você não pode aplicar essa abordagem a processos teleológicos conscientes sem implicitamente negar a existência da coisa que você deveria estar explicando, ao invés de realmente explicá-la. (E ainda mais, tomar uma posição incoerente, uma vez que a teorização científica, o peso das evidências, etc., são eles mesmos todos processos teleológicos conscientes.)

Então, um "Darwin" da ciência da consciência teria que ser tão diferente de Darwin, Newton & Cia. quanto eles foram diferentes de Aristóteles. Em particular, ele teria que reverter a tendência anti-teleológica da teorização científica moderna. Ou, de qualquer maneira, ele teria que fazê-lo por tudo o que Pigliucci disse, ou tudo o que ele poderia plausivelmente dizer dado o que ele está disposto a conceder em face da centralidade da teleologia genuína (não somente teleonomia) para o entendimento do fenômeno humano.

Logo, escrever vários parágrafos sobre o banimento científico da teleologia de todo lugar na natureza e ao mesmo tempo insistir que a teleologia é real no caso dos seres humanos, e depois casualmente insinuar que a história do banimento dá esperança de que algum dia uma explicação científica da teleologia da consciência humana será também possível... fazer isso é como um truque de mágica, um pouco de truque de mãos. Para apelar para uma analogia que eu usei muitas vezes antes, é como alguém que se livrou de toda a sujeira de todos os quartos da casa varrendo ela para debaixo do tapete, e quando perguntado como ele vai se livrar agora da sujeira debaixo do tapete, ele responde: "Porque eu vou me livrar dela da mesma maneira que eu me livrei da sujeira em todos os quartos, é claro! Esse método funcionou em todos aqueles outros casos — por que não funcionaria no caso da sujeira debaixo do tapete?" Isso só soa plausível se você não pensar muito cuidadosamente sobre o que acabou de ser dito. O minuto em que você pensa nisso, você vê que de fato é absurdo. Naturalmente, o sucesso passado do método de varrer-para-debaixo-do-tapete não dá a razão que seja para pensar que esse método oferece esperança de se livrar da sujeira debaixo do próprio tapete. E pela mesma razão, o sucesso passado do método de tratar-a-teleologia-como-mera-projeção-da-consciência não dá a razão que seja para pensar que pessoas usando essencialmente o mesmo método serão bem sucedidas em explicar a teleologia da própria consciência.

(Para uma discussão mais detalhada dessas e de outras questões relacionadas, veja minha série de postagens sobre "Mind and Cosmos" de Nagel e sobre "The Atheist's Guide to Reality" de Alex Rosenberg.)


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